Se você já ouviu falar das condições trabalhistas do Japão, sabe que as autoridades japoneses estão tentando pouco a pouco combater o karoshi, termo com o qual denominam as mortes por fadiga trabalhista causado por intermináveis horas extras.
Há também que somar a pressão por parte de sua cultura empresarial que acaba acarretando problemas cardiovasculares ou derrames cerebrais, quando não o suicídio por estresse.
O karoshi tem outros nomes, como guolaosi para os chineses e gwarosa para os coreanos. É um sintoma de mal-estar de uma sociedade que ainda não conseguiu encontrar as condições para uma conciliação entre a vida pessoal e trabalhista para seus cidadãos.
Entre os três, quem está levando o problema mais a sério são os japoneses, cujo governo criou listas de escárnio público das empresas que, depois de um falecimento, estejam relacionadas com estas condições trabalhistas, e decretou indenizações forçadas às famílias por parte dos responsáveis.
Segundo estatísticas oficiais, morrem entre 1.000 e 2.000 pessoas por karoshi a cada ano, ainda que os números reais poderiam ser maiores, já que tanto as empresas como alguns familiares tentam apagar todo rastro de morte por sobrecarga trabalhista. Para certas pessoas é considerado um fracassado pessoal aquele não seja capaz de suportar o ritmo de trabalho nipônico.
Assim foram alguns dos casos mais soados e perfis típicos dos empregados que acabam encontrando descanso só após terminar com suas vidas.
Miwa Sado, jornalista
Miwa Sado era a encarregada da área de política local em Tóquio. Em menos de um mês, antes de falecer, teve que cobrir as eleições ao Governo de Tóquio e as da Câmara Alta do Parlamento, em 21 de julho, três dias antes de seu falecimento. Dois tipos de eventos bastante estressantes para os profissionais de seu ramo.
Nesses 30 dias anteriores a sua morte tinha trabalhado, segundo cifras oficiais, 159 horas e 37 minutos extras. Ou 336 horas totais. Isto é, trabalhou mais de 15 horas por dia se tivesse folgado nos fins de semana, mas tendo em conta que só pediu duas folgas em 30 dias e fez jornadas de quase 13 horas diárias durante um mês antes de sofrer uma insuficiência cardíacacongestiva.
Joey Tocnang, funcionário especializado
Ele era um jovem Filipino de 27 que trabalhava há três anos em uma empresa de Gifu como estagiário cortando aço e aplicando produtos químicos. Durante quase 16 horas ao dia. São condições que compartilham muitos imigrantes de baixaqualificação no Japão. Uma parada cardíaca cobrou sua vida enquanto dormia em um dos dormitórios da empresa. Em o mês anterior tinha realizado 123 horas extras.
Jiang Xiaodong, auxiliar de produção
Foi o primeiro caso reconhecido de karoshi de um estagiário estrangeiro por parte do governo japonês. Xiaodong, de 31 anos, morreu entre gritos de dor, segundo seus colegas da linha de produção de metais, um pouco antes que o pessoal médico declarou que se tratava de uma parada cardíaca.
Ainda que os registros da empresa dos meses anteriores indicavam que só tinha feito uma pequena quantidade de trabalho extras, a investigação que seguiu ao caso determinou que Xiaodong estava fazendo mais de 150 horas extras ao longo dos meses.
Kenichi Uchino, engenheiro da Toyota
Uchino é a imagem do salaryman que todos temos em mente. O samurai que sacrificou toda sua vida pelo emprego. Na Toyota, neste caso. Aos 45 sofreu uma morte fulminante por isquemia, ainda que não foi grande surpresa à sua família. Como declararam, o engenheiro trabalhava metodicamente 80 horas extra mensais fazia anos, mas além disso às vezes também devia enfrentava jornadas até mais tarde ou fins de semana se fosse necessário, bem como recorrentes viagens de negócios consideradas um dever inevitável de seu posto.
Depois de sua morte, a empresa publicou um comunicado em que expressavam sua tristeza e seu compromisso para revisar as condições trabalhistas de seus funcionários.
Matsuri Takahashi, publicitária digital
O caso de Takahashi é interessante por vários aspectos. Foi o primeiro caso de suicídio por karoshi registrado, mas não foi simples. O registro só foi feito devido aos pais da garota que não descansaram até ganhar a batalha causando uma grande alerta social no Japão.
Matsuri trabalhava na Denstu, uma das empresas com um passado negro por suas conhecidas práticas trabalhistas abusivas. Ela começou a trabalhar na empresa aos 24 anos, mas oito meses mais tarde tirou a própria vida. Nas semanas anteriores a sua morte deixou em suas redes sociais mensagens como "Perdido todos os sentidos e sentimentos, exceto o desejo de dormir" ou "Talvez a morte seja uma opção bem mais feliz". Disse a suas amigas que durante as últimas semanas só tinha dormido uma média de duas horas por noite.
A empresa havia alertado a jovem, uns dois meses antes, que, devido a importância do projeto que assumira, não poderia ter nenhum tipo de descanso. Nem fins de semana nem os feriados de fim de ano que coincidiam com o serviço. Oito de quatorze funcionários do seu setor pediram a conta, repartindo ainda mais carga de trabalho. 100 horas extras mensais foram suficiente para que tirasse a vida. No Twitter, um professor universitário disse logo depois da notícia de sua morte: - "Karoshi por apenas 100 horas extra? Aff. Patético!"
Kiyotaka Seriwaza, supervisor de zeladoria
Kiyotaka, de 34 anos, trabalhava como supervisor dos empregados em três localizações no noroeste de Tóquio. E como disseram seus amigos pouco antes de que morresse, não tinham conhecido ninguém tão entregue a seus empregadores. Fazia algum tempo que vinha tentando pedir as contas de seu posto, mas a companhia não ia deixar escapar o agente que aceitara pouco a pouco se empenhar mais de 90 horas semanais, sendo capaz de manejar com sobras o mesmo que dois (ou três) empregados normais. Certo dia não suportou mais e se suicidou.
Naoya Nishigaki, engenheiro de sistemas
Naoya, de 27 anos, escreveu em seu blog: - "Não posso fazer nada. Não tenho vontade de fazer nada. Só me sinto irritado, exausto e incomodado com tudo isso . Tento suprimir estes sentimentos com medicamentos, mas sinto que o medicamento se torna cada vez menos efetivo. Estou tão mal-humorado. O que é que eu faço?" O que fez foi tomar uma overdose.
Sua mãe descobriu mais tarde que 13 dos 74 colegas de trabalho de seu filho se demitiram ou estavam de licença médica. O chefe declarou à mulher: - "Todos sofremos algum tipo de depressão aqui. Há que trabalhar com medicamentos. Aprender a trabalhar com depressão é um sinal de autêntico profissionalismo."
Mina Mori, garçonete
Mina Mori, de 26 anos, estava trabalhando há dois meses em um "izakaya", um tipo de bar de estilo japonês. Um dia de junho ela decidiu saltar de um edifício devido ao esgotamento nervoso. Como descobriram depois, em cada mês ela fez 140 horas extras não compensadas, como em todos os casos anteriores. Às vezes também tinha que fazer algum trabalho para o bar quando estava em casa.
Depois de uma dura batalha judicial, a rede Watami teve que pagar aos pais de Mori 152 milhões de ienes, quase 5 milhões de reais, pela perda de sua filha. E sobretudo, reconheceram que a garota morreu por karoshi.
Mira Diran, redatora publicitária
Mira não era do Japão, senão da Indonésia. Também não sabemos durante quanto tempo anterior já estava trabalhando jornadas maratonianas, mas sim que nos três últimos dias em sua agência E&R fez muitas horas extras em face do fechamento de um grande contrato publicitário. Depois de três dias sem nenhum descanso, rodeada de bebidas energéticas e uma hora depois que seu diretor criativo lhe proporcionasse uma massagem relaxante, a garota de 24 anos entrou em coma que derivou em morte pouco depois. Estava trabalhando durante quase dois dias desde a última vez que descansou.
Uma manifestação multidisciplinar
Por último, em um trabalho sobre o karoshi por parte da Organização Internacional do Trabalho recolheram perfis reais mas ilustrativos das clássicas vítimas deste mal endêmico que afeta sobretudo as sociedades asiáticas. Nestes casos a identidade dos afetados não foi revelada.
O Senhor A trabalhava em uma importante empresa de processamento de alimentos durante nada menos que 110 horas por semana e morreu de um ataque cardíaco com 34 anos. Sua morte foi reconhecida como relacionada com o trabalho pelo Escritório de Regulação Trabalhista.
O Senhor B era um motorista de ônibus cuja morte também foi reconhecida como relacionada ao karoshi. Trabalhou 3.000 horas ao ano (a média anual brasileira é de 2.200 horas). Não desfrutou de nenhum dia livre nos 15 anos antes de sofrer um AVC quando tinha 37 anos.
O Senhor C trabalhava em uma grande empresa de impressão em Tóquio durante 4.320 horas ao ano, incluindo as horas noturnas. Morreu de um derrame cerebral com 58 anos. Sua viúva recebeu uma compensação por parte da empresa 14 anos após a morte de seu marido.
A Senhora D era uma enfermeira de 22 anos que morreu de um ataque cardíaco após acabar uma jornada de 34 horas de serviço continuado pela quinta vez no mesmo mês.
Fonte: MDIG
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