Conto do Leitor: O Fantasma Pardo

em 16/03/2016


Saudações amigos e amigas atormentados. Na postagem de hoje voltamos a contar com um material escrito por um leitor. O amigo Pedro Arossa escreveu e enviou para a gente o conto que dá título a postagem abaixo. Na verdade, segundo nosso estimado colaborador, esse conto retrata um evento real presenciado por ele e por seu irmão, que são os dois personagens da história. Convido a todos a conferir esse conto gentilmente compartilhado pelo amigo Pedro.

O FANTASMA PARDO

Aquele lugar parecia assombrado, era apenas o começo da tarde e um manto negro já cobria toda a mata. Eu era apenas um garoto de doze anos e o lugar me aterrorizava, principalmente hoje que havia resolvido vir sozinho. Entretanto, a promessa de novas aventuras sobrepujava meu medo. Caminhei algum tempo por ali, cruzei um pequeno bosque e cheguei à velha casa, com suas enormes janelas negras escondendo sei lá o que – eu sequer conseguia encara-las. De repente, um movimento súbito me chamou a atenção justamente para elas – surgindo do nada uma mão sem corpo, atingiu a janela com um barulho ensurdecedor fazendo-a em mil pedaços. Os estilhaços tilintavam a minha volta. Um segundo depois, ainda em choque, tornei a olhar para a janela e lá estava ela – intacta! Um medo incontrolável tomou conta de mim e sai correndo para a segurança de minha casa. Essa experiência, que não fora única, marcaria o fim da minha infância e, deixaria uma marca indelével na minha alma.

Passados mais de quarenta anos, eu e meu irmão, recordávamos com muita saudade as aventuras na casa mal-assombrada. Era um local isolado, místico e terrivelmente assustador – mas nos o adorávamos! Não raro, perdidos em nossas fantasias infantis, esquecíamo-nos da hora e tínhamos de voltar em disparada para nossa casa imaginando que a escuridão trazia uma horda de fantasmas para nos perseguir. A casa em estilo colonial, muito antiga, estava encravada em meio a colossais palmeiras imperiais; ficava nos fundos da residência de nossos pais. Aquele era nosso castelo assombrado, onde passávamos horas explorando as matas no entorno da casa, mas sempre – por cautela, a certa distância.

Infelizmente, assim como todos os adultos, fomos atropelados pela rotina e a responsabilidade; toda a magia fora trocada pela razão. Mas bem lá no fundo, pronto para despertar, repousavam fantasmas e outros seres místicos.

Mesmo adultos, nós ainda tínhamos o hábito de caminhar na natureza. Desta vez, meu irmão resolveu mudar nossa rotina e acabou por mudar todo o resto de nossas vidas - ao invés de procurar um lugar distante e isolado para nossas caminhadas, optou por retornarmos ao nosso castelo assombrado, do qual restavam apenas os alicerces. Boa parte da mata agora restava sepultada sob algumas casas de um moderno condomínio.

Voltar aquele lugar, tanto tempo depois, foi algo surpreendente. Cheiros, imagens e sensações retornavam de nosso passado de forma profusa e intensa. A antiga trilha que ainda existia - escura e isolada, como nos recordávamos. Involuntariamente engolimos em seco, talvez uma sensação de medo de muitos anos antes.

A centenária trilha, toda gramada, permanecia intacta e sua vegetação encobria completamente o muro do condomínio. Os últimos e persistentes raios de sol faiscavam sobre a mata – na verdade, um grande cafezal, que mais parecia um enorme domo verde.

Assim que entramos uma grande cúpula se abriu sobre nossas cabeças. A pouca luz filtrada pelo teto de folhas dava ao local uma tonalidade âmbar. No centro daquilo tudo havia apenas os longos galhos do cafezal e uma grama rala que atapetava o chão. Ao fundo, contra a mata que nos circundava; grandes árvores se justapunham como colunas.

Sem o menor aviso um silêncio sobrenatural se instalou. Não se ouvia nada – nem vento, nem pássaros, nenhum ruído. Nós entreolhamos como a perguntar: o que está acontecendo? Surgido do nada um rimbombar terrível explodiu a nossa esquerda, sequer tivemos tempo de sentir medo. Quando olhei naquela direção, pude ver algo como uma grande espiral que distorcia toda a mata. Mais rápido ainda, as grandes árvores foram precipitadas ao solo caindo com grande estardalhaço. Tudo foi varrido, jogado e quebrado em segundos. Do meio daquele turbilhão, surgiu uma criatura imensa e disforme que mais se parecia um grande pano velho – era enorme e se agigantava ainda mais enquanto se aproximava, depois encolheu para o tamanho de um ser humano e; flutuando, arremeteu sobre nós.

Meu terror foi tamanho que não contei tempo, sai correndo desesperando. Após chegar a trilha principal lembrei que havia esquecido o meu irmão; parei imediatamente e voltei para busca-lo. Mas o que eu vi foi ainda mais assustador, meu irmão, que corria para salvar a vida, era perseguido por uma horrível criatura que flutuava a cerca de cinco metros atrás dele – era algo como um torso humano sem face, coberto por um imenso tecido marrom e esfarrapado na altura das pernas. Parecia um fantasma pardo! Mesmo aterrorizado, esperei por ele e, em alguns segundos ambos fugimos em grande velocidade e para longe daquele lugar.

Cerca de meia hora depois e já no abrigo da casa de meus pais, narrávamos a amedrontadora experiência para nossas famílias. Muito embora ambos estivéssemos assustados, algo havia retornado do passado - uma conexão espiritual há muito desaparecida se instalou novamente entre nós irmãos. Toda a magia vivida em nossa infância de incontáveis experiências sobrenaturais agora estava de volta - monstros, visagens, assombrações, bruxas e fantasmas, confortavelmente voltaram a povoar nossas vidas. Tudo aquilo estava de volta e, nunca mais nos esqueceríamos de nossas origens, nunca mais permitiríamos que a razão nos cegasse novamente.
- conto por Pedro Arossa -

Agradecimentos ao amigo Pedro Arossa por compartilhar esse conto com a gente.

Quando amanhecer, você já será um de nós...


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