Saudações amigos e amigas. Hoje falaremos de um assunto que já apareceu várias vezes aqui no blog: o tráfico de seres humanos. Já abordei várias postagens com notícias a respeito desse assunto, e ele já apareceu como "coadjuvante" em outras matérias, mas o tema merece uma atenção das mais especiais, por isso o meu interessem em publicar algo sobre o assunto. A matéria acabou ficando um pouco extensa, mas mesmo assim essa é apenas um pequeno fragmento do assunto.
O tráfico de seres humanos vem acontecendo em diversas partes do mundo, e tem as mais diversas finalidades. Recentemente os EUA passaram a usar uma nova ferramenta de buscas na internet, o projeto Memex, que permite vasculhar a Deep Web atrás de criminosos, sendo que o principal foco do programa é localizar os traficantes de seres humanos (se vocês quiser saber mais sobre o assunto clique AQUI, ou acista ao vídeo abaixo). Isso dá uma ideia do quanto o problema é grave.
Escravidão Moderna
Migrar e trabalhar. Quando esses verbos se conjugam da pior forma possível, acontece, ainda hoje, o chamado tráfico de seres humanos. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho, publicado em 2005, estima em cerca de 2,5 milhões o número de pessoas traficadas em todo o mundo, 43% para exploração sexual, 32% para exploração econômica e 25% para os dois ao mesmo tempo. No caso do tráfico para exploração econômica, a negociação de trabalhadores rende por ano cerca de US$ 32 bilhões no mundo.
O tráfico de pessoas para exploração econômica e sexual está relacionado ao modelo de desenvolvimento que o mundo adota. Esse modelo é baseado em um entendimento de competitividade que pressiona por uma redução constante nos custos do trabalho. Empregadores “flexibilizam” as leis e relações trabalhistas para lucrar e, ao mesmo tempo, atender aos consumidores, que exigem produtos mais e mais baratos. No passado, os escravos eram capturados por grupos inimigos e vendidos como mercadoria. Hoje, a pobreza que torna populações socialmente vulneráveis garante oferta de mão-de-obra para o tráfico – ao passo que a demanda por essa força de trabalho sustenta o comércio de pessoas. Esse ciclo atrai intermediários, como os “gatos” (contratadores que aliciam pessoas para ser exploradas em fazendas e carvoarias); os “coyotes” (especializados em transportar pessoas pela fronteira entre o México e os Estados Unidos) e outros “animais”, que lucram sobre os que buscam uma vida mais digna.
Ação de libertação de escravos em fazenda no município de Goianésia do Norte, no Pará, em novembro de 2003 |
Muitas vezes é a iniciativa privada uma das principais geradoras do tráfico de pessoas e do trabalho escravo, ao forçar o deslocamento de homens, mulheres e crianças para reduzir custos e lucrar. Direta ou indiretamente. Na pecuária brasileira, na produção de cacau de Gana, nas tecelagens ou fábricas de tijolos do Paquistão, em olarias na China. Vale lembrar que a sistemática desregulamentação do mercado de trabalho facilita a ocorrência desses crimes.
O tráfico de pessoas e as formas contemporâneas de trabalho escravo não são uma doença, e sim uma febre que indica que o corpo está doente. Por isso, sua erradicação não virá apenas com a libertação de trabalhadores, equivalente a um antitérmico – necessário, mas paliativo. O fim do tráfico passa por uma mudança profunda, que altere o modelo de desenvolvimento predatório do meio ambiente e dos trabalhadores. A escravidão contemporânea não é um resquício de antigas práticas que vão desaparecer com o avanço do capital, mas um importante instrumento utilizado pelo capitalismo para se expandir.
Em 2008, 120 anos após a abolição, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, mais de 5 mil escravos foram libertados no Brasil. Desde 1995, quase 34 mil pessoas ganharam a liberdade, em centenas de fiscalizações realizadas pelo governo federal. Boa parte desses trabalhadores foi vítima de promessas fraudulentas e tráfico humano.
Lutar contra as regras do jogo, de um jogo sem regras, para garantir um mínimo de dignidade a milhões de seres humanos é uma tarefa árdua. Mas segue sendo tão necessária quanto no tempo dos abolicionistas, que lutaram contra o tráfico transatlântico e a sociedade escravagista.
Elementos do Tráfico de Pessoas
O ato (o que é feito):
Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o acolhimento de pessoas.
Os meios (como é feito):
Ameaça ou uso da força, coerção, abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios em troca do controle da vida da vítima.
Objetivo (por que é feito):
Para fins de exploração, que inclui prostituição, exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos e práticas semelhantes. Para verificar se uma circunstância particular constitui tráfico de pessoas, considere a definição de tráfico no protocolo sobre tráfico de pessoas e os elementos constitutivos do delito, conforme definido pela legislação nacional pertinente.
Casos Recentes ligado ao Tráfico de Seres humanos
Abaixo poderemos conferir algumas notícias relacionadas com o assunto, que mostram as diversas facetas dessa grave questão. Podemos também conferir alguns interessantes e tristes relatos.
Tragédias no mar
Em março de 2014, os italianos resgataram pelo menos 2 mil pessoas a bordo de mais de uma dúzia de barcos superlotados, com mais a caminho em meio a condições meteorológicas calmas. De acordo com informações da imprensa, pelo menos dois suspeitos de tráfico humano foram detidos.
Esses traficantes aliciavam pessoas em países pobres com ofertas de trabalho, ou ofereciam a elas o serviço de "entrada clandestina" em alguns países. As vítimas só descobriam o golpe quando chegavam ao local de origem.
Leia Mais: Polícia da Malásia localiza 139 covas de vítimas do tráfico de seres humanos
A busca pelo sonho de uma vida melhor não raro acaba em tragédia. Em outubro de 2013, mais de 360 migrantes morreram afogados quando um barco superlotado naufragou perto da ilha italiana de Lampedusa. Foi um dos acidentes com maior número de mortes da história recente.
Exploração sexual movimenta R$ 330 bilhões por ano, diz OIT
Valores na casa dos R$ 333 bilhões. Esta é a cifra que, de acordo com a ONU, representa o total movimentado pela exploração sexual no mundo por ano.
A exploração sexual representa 53% dos casos de tráfico humano no mundo, que afeta 21 milhões de pessoas.
Quarenta por cento das pessoas são traficadas para trabalhos escravos.
Em pelo menos 12 países, há casos de pessoas sendo comercializadas para a utilização de seu órgãos.
Brasil teve 254 vítimas de tráfico de pessoas em 2013
Em 2013 no Brasil, 254 brasileiros foram vítimas do crime de tráfico de pessoas, em 18 estados do país. Os dados foram divulgados hoje (30) pelo Ministério da Justiça a partir de levantamento feito nas delegacias das polícias civis dos estados e constam no Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. São Paulo e Minas Gerais tiveram o maior número de vítimas no ano de 2013. Foram registradas 184 em São Paulo e 29 em Minas Gerais.
Segundo o documento, em 2013 foram constatados, entre as unidades da federação, registros de nove tipos diferentes de tráfico de pessoas ou crimes correlatos. Houve pelo menos um registro de entrega de filho ou pupilo, submissão de criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual e remoção de órgãos, tecidos, ou partes do corpo humano.
Os tipos mais comuns foram o tráfico para fins de exploração sexual, que respondeu por 134 do total de 254 casos, somando-se os crimes de tráfico interno e internacional (52,8% das ocorrências) e o trabalho escravo, que respondeu por 111 das 254 ocorrências registradas (43,7% das ocorrências).
Além das informações das polícias estaduais, foram apresentados dados de diferentes instituições. Segundo o relatório, essas informações envolvem a identificação do crime de tráfico de pessoas, desde a construção de seu conceito até a diversidade de fatores que levam à alta falta de notificação pelas diferentes instituições.
“Entre esses fatores está o próprio desconhecimento que muitas vezes as vítimas têm sobre a sua condição e a falta de conhecimento tanto do cidadão comum, quanto dos próprios agentes públicos encarregados de atuar sobre essas situações, mas que desconhecem as características do fenômeno e acabam não tomando as medidas cabíveis relativas à prevenção e o controle de ocorrências de tráfico de pessoas”, informa o relatório.
Dados da Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores mostram que, em 2013, houve um total de 62 vítimas brasileiras no exterior. Destas, 41 (66%) foram de tráfico para exploração sexual e 21 (34%) de trabalho escravo.
Outro dado importante apresentado no relatório foi da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República que registra um aumento de denúncias recebidas sobre tráfico de pessoas de 2011 a 2013, de 26 para 218, quadruplicado, entre 2011 e 2012. O número total de vítimas em 2013, de acordo com as denúncias feitas à secretaria, foi 309, cerca de dez vezes maior ao número de 2011 (32), e o dobro do ano anterior (170).
'Jogaram gasolina em mim e tentaram me queimar viva', diz vítima de tráfico humano
Todos os anos, milhões de homens, mulheres e crianças ao redor do mundo são vítimas de tráfico humano ─ compradas e vendidas como mercadorias para a prostituição e o trabalho escravo.
Trata-se de um comércio que gera altos dividendos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que o trabalho escravo movimente US$ 150 bilhões (R$ 504 bilhões) por ano. Dois terços disso (US$ 99 bilhões ou R$ 333 bilhões) vêm da exploração sexual.
Mas quem são as pessoas por trás dos números? Kemi e Bilkisu, da Nigéria, Jane, do Reino Unido, e Gabby, dos Estados Unidos, contam à BBC como se tornaram vítimas dos traficantes.
Kemi, da Nigéria
Milhares de mulheres do oeste da África são compradas e vendidas todos os anos ─ a maioria delas acaba na Europa. O UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) estima que as vítimas do tráfico de pessoas na região ─ boa parte delas provenientes da Nigéria ─ corresponde a quase 10% das pessoas forçadas a se tornar trabalhadoras do sexo na Europa Ocidental.
Benin City, no sul da Nigéria, é uma cidade-chave nesse esquema - com redes e infraestrutura montadas em trono do tráfico de pessoas.
Lá, os traficantes buscam meninas que querem viajar e as seduzem com promessas de trabalho e estudo. Eles lhes dão documentos falsos e dizem que elas precisarão pagar o custo da viagem quando chegarem ao país de destino.
Uma vez recrutadas, as meninas muitas vezes são forçadas a participar de rituais para garantir que vão cumprir com o prometido.
Uma mulher que atua como negociante de pessoas em Benin City diz que traficantes costumam arrancar as roupas e até os cabelos das meninas. Pelos da região pubiana e das axilas também são raspados. Ao fim do processo, elas são entregues a um 'padre' em uma cerimônia como prova de que pagariam suas dívidas.
"Com todas essas coisas que eles tiravam delas, as meninas tinham medo de que alguma coisa pudesse acontecer", conta Kemi.
Uma dessas meninas que foi vítima das mentiras dos traficantes é a própria Kemi. Ela recebeu a promessa de uma nova vida na Itália ─ onde poderia enviar dinheiro para ajudar sua família.
"Eles disseram: 'Nós queremos mudar a sua vida. Queremos que você seja feliz", relata.
Em sua chegada à Itália, Kemi soube que teria de trabalhar como prostituta. Ela se recusou, mas ficou sem comida e seu celular foi confiscado como punição – depois disso, se viu obrigada a obedecê-los.
"No final, eu trabalhei por três anos e três meses (como prostituta)", diz.
Durante esse período, Kemi entregou um total de 27 mil euros (R$ 100 mil) a seus traficantes ─ uma quantia que não os deixou satisfeitos.
Depois de um tempo, ela finalmente encontrou forças para deixar o lugar onde vivia e fugiu rumo a casa de amigos. No entanto, acabou deportada pelas autoridades italianas e teve de voltar para a Nigéria algum tempo depois.
Sem nada para levar consigo de todo o tempo que passou fora de seu país, Kemi decidiu não voltar para a casa de sua família.
"Eu tinha vergonha de ir para casa", conta, chorando. "Eu tinha vergonha de voltar sem nada."
Agora, traumatizada por suas experiências, ela sente raiva dos traficantes. "Eles são maus. A mulher que me vendeu tinha duas filhas. Ela está colocando as duas nas melhores escolas com o dinheiro que ganhei vendendo o meu corpo."
Bilkisu e Jane, Reino Unido
Centenas das vítimas do tráfico humano vindas da Nigéria acabam no Reino Unido, onde elas geralmente enfrentam exploração sexual ou uma vida de serviço doméstico forçado.
Cerca de 244 das 2 mil potenciais vítimas denunciadas às autoridades britânicas em 2014 vinham da Nigéria, segundo a Agência Nacional do Crime, um aumento de 31% comparado com o ano anterior. O único país com um número maior de potenciais vítimas é a Albânia.
Bilkisu é uma das mulheres enviadas da Nigéria para o Reino Unido com pretensões falsas. Desde que tinha 15 anos de idade, foi mantida como escrava – trabalhando longas horas sem salário durante 10 anos.
Quando chegou ao Reino Unido, a garota nigeriana achava que teria um lugar para ficar com seu tio e a chance de continuar seus estudos, além de conseguir enviar um dinheiro extra para sua família ─ ela achava que poderia dar uma vida melhor para eles.
No entanto, uma vez no Reino Unido, a jovem se viu forçada a ser empregada doméstica e babá para a família de seu tio. Ela começava a trabalhar às 5h e terminava às 21h.
"Arrume as crianças para a escola, dê banho nelas, dê café da manhã, passe as roupas..", conta Bilkisu, ao descrever sua rotina. "E além disso, tinha que fazer tudo para minha tia e meu tio, arrumar as roupas deles para que eles pudessem ir ao trabalho".
Durante o dia, a jovem limpava o apartamento de três quartos. Se sua tia não ficava satisfeita com o trabalho, a menina apanhava dela.
"Estava sozinha…sabe quando você está dentro de um buraco e não há luz, está tudo escuro. Tudo estava preto. Eu sentia assim."
Nos nove anos em que Bilkisu trabalhou para o tio e a família dele, não teve um único dia de folga e tampouco recebeu pagamento.
Somente quando fez 20 anos, Bilkisu teve coragem para buscar socorro. Ela conseguiu fugir com a ajuda de um pastor da igreja local.
Mas depois de ter tido a infância roubada, ainda tem dificuldades para socializar.
"Eu não sei mais como fazer amigos", explica. "Os danos ainda estão aí, não sei, acho que vão ficar comigo para sempre."
Diferentes de Bilkisu, muitas crianças vítimas do tráfico humano no Reino Unido são comercializadas por todo o país. O governo britânico acredita que, atualmente, existam 13 mil crianças sendo exploradas dessa maneira no país.
Jane tinha apenas 13 anos quando foi capturada e abusada, antes de ter sido vendida por grupos de traficantes no Reino Unido para exploração sexual.
Tudo começou quando ela estava na escola. Um homem de cerca de 70 anos, que sabia que ela tinha uma família instável, começou a lhe oferecer presentes.
Pouco depois, ele começou a pedir pagamento em 'favores' sexuais e, conforme o tempo foi passando, ele começou a levar Jane para outros homens asiáticos.
No início, os homens davam uma volta de carro com ela, ofereciam drogas e tiravam fotos inapropriadas dela, conta Jane. Mas o abuso foi piorando.
"Em algumas semanas, o homem mais velho começou a trancar a porta com os homens dentro e eles queriam sexo. E eles filmavam, tiravam fotos. Me davam drogas."
Logo, Jane estava sendo 'trocada' por diferentes grupos de homens pelo país ─ muitos deles ficavam bem longe dali. Eles se encontravam em postos de gasolina para passar a garota de um carro para o outro.
Quando ela tentava resistir, os homens ficavam violentos e ameaçavam sua família.
"Eles me jogavam pra fora do carro. Queimavam meu cabelo, chegaram a quebrar ossos do meu rosto. Eles tentaram jogar gasolina e colocar fogo em mim", relata.
Aos poucos, Jane foi perdendo as forças para lutar. Ela sofreu várias lesões no crânio e no nariz e ficou com um dano interno irreparável.
"Fiquei com medo do que estava acontecendo. Acho que porque começou quando eu ainda era muito nova e, depois de um tempo, você começa a pensar que é só para aquilo que você serve."
Jane foi abusada por nove anos ─ algumas vezes, todos os dias. Ela conta que, para piorar sua situação, a polícia e outras agências não acreditavam no que ela dizia. Jane só conseguiu escapar quando entrou em contato com o Exército da Salvação.
"Eu não tinha muito o que dizer, eles só entenderam e disseram: 'Não é culpa sua, nós podemos te ajudar'. Depois de algumas horas, havia um carro ali para me levar para um lugar seguro."
Gabby, dos Estados Unidos
Existe uma história parecida nos Estados Unidos, onde dezenas de milhares de crianças são traficadas para a prostituição. O FBI, a polícia federal americana, diz que exploração sexual de menores acontece em um "nível quase epidêmico".
Gabby, de Baltimore, conta que foi abusada por seu pai dos oito aos 12 anos ─ uma relação que ela acredita ter influenciado a maneira como ela interage com os homens.
"Eu aprendi muito cedo que era possível conseguir muita coisa por meio de favores sexuais", diz.
Gabby conta que se viciou em drogas e teve um relacionamento com um dependente de drogas que, anos depois, a levou para a prostituição.
"Eu não hesitei porque sentia que ele tinha cuidado de mim por todo aquele tempo e eu confiava nele. Acho que o plano dele era ganhar minha confiança de qualquer maneira."
Gabby conta que se viciou em drogas e teve um relacionamento com um viciado que, anos depois, a levou para a prostituição |
Não demorou muito para Gabby descobrir que seu namorado não passava de um cafetão, como tantos outros que ficavam nas ruas aliciando mulheres usuárias de drogas para transformá-las em prostitutas.
"O cafetão fica com seu carro em uma esquina próxima onde suas meninas estão trabalhando para que elas saibam que ele está vigiando o trabalho delas de perto. Elas ficam com medo de correr. Quando eu estava lá, outras cinco meninas também estavam na mesma situação."
Gabby conseguiu fugir das ruas e abandonou seu namorado. Com ajuda da terapia, está tentando compreender tudo o que passou na sua vida. Mas ela conta que para muitas meninas que estão nas ruas ─ confusas, cheias de medo e envolvidas nesses relacionamentos ─ permanecer ali é uma questão de sobrevivência.
'Dois anos de prostituição forçada e dois terremotos': adolescente relata drama
Vítima de tráfico sexual aos 11 anos, a nepalesa Emu Tamang (nome fictício) foi mantida trancada em um quarto por dez meses, sendo alimentada para crescer e parecer mais velha antes de ser oferecida a clientes.
Após trauma de tráfico humano, Emu Tamang*, de 18 anos, enfrentou dois terremotos |
Na Índia, teve que se submeter à prostituição por mais de um ano até ser resgatada por uma ONG.
Hoje com 18 anos, ela vive há quatro em uma casa do projeto Meninas dos Olhos de Deus, liderado pelo brasileiro Silvio Aparecido da Silva, em Katmandu. O projeto, que abriga meninas e meninos vítimas de tráfico de pessoas ou em situação de risco, é ligado à ONG Missão Cristã Mundial.
Recentemente, Tamang passou por outro revés: o Nepal foi atingido por dois terremotos de grande magnitude que destruíram seu vilarejo natal, onde ela tinha o sonho de trabalhar em uma escola.
Tamang perdeu um sobrinho de apenas um ano no terremoto, mas diz que é preciso superar a tragédia: "O passado já passou, quero ir em frente."
Leia abaixo trechos do depoimento dado por telefone, em inglês, de Katmandu, à BBC Brasil:
"Sou de um distrito no Nepal, Nuwakot, em que há muito tráfico. Grande parte das meninas do meu vilarejo é traficada. Meu pai morreu quando eu tinha 7 anos e minha mãe se casou com outro homem, então eu morava com meu irmão. Não tinha pai na casa e, quando eu tinha 11 anos, pessoas do vilarejo tentaram casar comigo, mas eu não quis.
Os traficantes me procuraram dizendo que iam achar um bom trabalho para mim. Muitas 'irmãs' do vilarejo já haviam ido, e eles me perguntaram se eu queria ir para o mesmo lugar, se eu queria ser rica como elas. Muitas iam e voltavam com roupas e trazendo coisas para suas famílias.
Eu precisa do dinheiro para ajudar minha família, então eu concordei em ir. Me levaram para um lugar na Índia e foi muito difícil para mim.
Me colocaram em um quarto por oito dias. Eles não me davam comida nem cobertores e eu tinha que dormir no chão.
Depois me levaram para outro lugar, para as pessoas que me compraram.
Fui obrigada a ficar embaixo de uma cama, por oito dias. Eles só deixavam eu sair do quarto de manhã e de noite para ir ao banheiro.
Depois, os donos me levaram para outro lugar, um prédio alto, com cinco andares, e me colocaram no primeiro andar. Me deixaram lá por dez meses. Eu não podia sair e nem olhar pela janela. Eles trancavam meu quarto por fora.
Uma pessoa dava comida para nós. Acho que misturavam algo na comida para que eu crescesse para o trabalho.
Eu cresci. Em dez meses, parecia que eu tinha 17 anos. Mas eu tinha 11 anos e meio.
Em menos de três semanas, Nepal foi atingido por dois terremotos de grande magnitude; mais de 8.500 morreram |
Depois de dez meses, uma moça do meu vilarejo veio e me levou para um hotel.
Lá tinha o gerente e umas meninas como eu. A tia que me levou disse para eu trocar de roupa e usar maquiagem. Ela falou: desce com as outras moças.
Tinha 6 ou 7 meninas e os clientes também vieram. O gerente falou para uma menina que já estava acostumada ensinar para a gente o trabalho.
Eu tinha ficado menstruada um pouco antes e fiquei com muita vergonha.
Eles me levaram para o quarto com o cliente e eu não queria, mas tive que trabalhar lá. A tia disse que eles já estavam cuidando de mim havia dez meses, me dando comida, e que eu tinha que pagar por tudo que comi e o que ela cuidou.
Então tive que aceitar ficar com o cliente.
O gerente nunca estava satisfeito. Tinha dias que a gente recebia dois clientes; tinha dias que recebia 10, 12. Mas ele sempre brigava.
Fiquei quase um ano nesse lugar e nunca deixavam eu chegar perto do portão.
Depois a gente aprendeu a língua do povo e nos levaram para outro lugar.
Levaram a gente escondido. Era sempre escondido. Diziam que eu não podia falar com a polícia, que estavam cuidando de mim e que assim que eu pagasse minha dívida eu ia poder voltar para o meu vilarejo. Mas, se a polícia me encontrasse, diziam que seria muito pior, que eles iam me prender e não iam me tratar bem.
Depois de um ano e meio, fui resgatada por uma ONG internacional.
Meninas do projeto tiveram que acampar em quadra da escola após terremoto |
Era um dia de tarde, quase de noite, e um grupo de clientes estrangeiros chegou. Quando apareciam estrangeiros eles chamavam todo mundo, porque sabiam que eles davam mais dinheiro.
Eles falaram que não tinham gostado das meninas e, de repente, entrou um outro grupo e resgatou todo mundo. Veio a polícia, desfez tudo e levou a gente num carro.
Fui para um abrigo e começou um processo: procuraram minha família, precisam saber se estão envolvidos ou não, tivemos que reconhecer os envolvidos... foram 22 meses até voltar para o Nepal.
Na volta, fui morar na casa do projeto Meninas dos Olhos de Deus. Moro aqui há quatro anos. Comecei a estudar e tenho o sonho de ensinar as pessoas do meu vilarejo. Espero que a nova geração tenha acesso à educação e, assim, não seja traficada.
Mas aí vieram os terremotos e destruíram tudo.
No primeiro, eu estava na igreja, que ficava no terceiro andar. Tudo começou a balançar, todo mundo saiu correndo. Peguei na mão das minhas amigas bem forte e oramos para que o terremoto parasse. E ele parou.
Mas eu perdi todos os meus sonhos. Meu vilarejo foi destruído, acabou. A escola em que meu pai trabalhava e que eu tinha o sonho de reabrir foi destruída, então não vou mais poder fazer isso.
Meu sobrinho morreu. Ele tinha um ano e meio e estava em casa, dormindo, e a casa caiu em cima dele.
Alguns dias penso: agora acabou tudo, acabou o mundo. O que vou fazer?
Tivemos que acampar na quadra da escola por precaução. Pouco depois que voltamos para casa, veio o segundo terremoto. Voltamos para a quadra da escola... Só nesta semana voltei para a minha casa.
Mas o passado já passou. Não há nada que eu possa fazer. Agora, quero ir em frente."
O tráfico de pessoas no deserto do Saara
A cidade de Gao, no nordeste do Mali, é a porta de entrada do Saara para muitos imigrantes africanos que tentam chegar à Europa. Mas a travessia do deserto pode ser tão perigosa quanto atravessar o Mediterrâneo.
A reportagem observa um grupo de jovens está sentado em um complexo de fundo de rua, nervosos e em silêncio. Em um canto do quintal cercado por muros, há uma pilha de galões de cinco litros, cada um com uma capa de pano de saco.
Quando o próximo caminhão estiver pronto para partir para o deserto, os recipientes serão enchidos de água e entregues aos migrantes.
Cada um pagou até US$ 400 (cerca de R$ 1.220) por uma jornada incerta para a Argélia. Eles olham assustados e confusos. A maioria é incapaz de entender o francês que está sendo falado.
O lugar é chamado de "gueto". É o coração do submundo do tráficos de pessoas de Gao.
Centenas de africanos que sonham com um futuro na Europa passam por um dos três "guetos" de Gao a cada mês.
A migração é um dos principais motores da economia de Gao |
A cerca de 2.000 km da costa do Mediterrâneo, Gao é o último ponto de relativa segurança antes de uma viagem de caminhão de seis dias pelo deserto que tira um número incontável de vidas.
''Eu avalio que os migrantes têm 10% de chance de chegar onde querem ir. Mas é uma escolha deles", diz Moussa, um aliciador (coaxer) de 26 anos.
Caminhões vão para o sul para entregar mercadorias e muitas vezes voltam para o norte levando migrantes |
Seu trabalho é entrar nos ônibus que chegam do sul do Mali e mandar os migrantes para seu chefe do gueto.
''Você entra no ônibus cerca de 20 km antes de Gao. Você anda entre os assentos dizendo que foi enviado por Abdoulaye ou Ibrahim - qualquer nome comum do Mali serve - e que você está lá para cuidar de jornada deles."
"Os caras levantam as mãos'', diz Moussa, que recebe 5.000 francos CFA (cerca de R$ 30) por cada migrante que leva para o chefe do gueto.
'Cidade da cocaína'
Gao é uma cidade de prédios baixos e ruas largas de terra vermelha.
Sua economia é em grande parte baseada no tráfico. Humanos são comercializados aqui como barris de combustível e caixas de macarrão ou frigoríficos da Argélia.
É um ponto de passagem conhecido para o lucrativo comércio de drogas da América do Sul, na medida em que tem um subúrbio conhecido como "Cocainebougou" - Cidade da Cocaína - onde casas de dois e três andares contrastam com o entorno poeirento.
Com tanta coisa em jogo, Gao passou por terríveis combates quando rebeldes sob várias bandeiras- tuaregues separatistas e islâmicos - varreram o norte do Mali em 2012, levando a uma intervenção militar francesa no ano seguinte.
O agenciador que passa a bordo do ônibus antes de chegar a Gao explica a ordem relativa em uma garagem de ônibus dirigida pela Sonef Transport em Gao.
Vejo três homens jovens, com quase nenhuma bagagem e vestindo roupas com as quais claramente dormiram, sendo levados para um táxi.
O mecânico-chefe Sardou Maiga diz que as redes de tráfico usam o cansaço dos migrantes e sua ignorância de geografia.
"Os que você acabou de ver compraram passagens de ônibus de Bamako (capital do Mali) até a Líbia. Nós temos um serviço de ônibus para Niamey (a capital do Níger) e daí até Arlit, na fronteira com a Líbia", diz ele.
"Mas os passageiros têm de trocar de ônibus aqui em Gao e é aí que os aliciadores os desviam e os vendem para caminhoneiros tuaregues que vão para a Argélia."
"Eles podem morrer nessa jornada, porque, se houver dificuldades, os pilotos vão abandoná-los pelo caminho no deserto."
Os migrantes muitas vezes não sabem sequer que há um deserto pela frente. Menos ainda que os traficantes dirão, a 100 km da fronteira da Argélia, para que eles desçam e sigam a jornada a pé.
Depoimento: Theodis Windel Dennis, 26 anos, da Libéria
"Eu tinha US$ 1.000 quando saí da Libéria, há uma semana. Fui para o Senegal, onde paguei US$ 400 por uma passagem para ir para o Marrocos. Mas fui enganado. Havia muito mais para pagar depois. Então fui para Bamako e paguei pelo transporte até a Argélia.
Migrantes compram passagens de ônibus, mas muitas vezes custos de viagem são maiores |
Havia entre 15 a 20 pontos de verificação até o Mali. Em cada um, o Exército do Mali te assedia por dinheiro - você precisa pagar entre 1.000 e 5.000 francos CFA ou eles te tiram do ônibus.
Quando o ônibus chegou a Gao, roubaram minha bolsa com meu telefone, o creme do meu cabelo, o resto do meu dinheiro e meu passaporte. Mas eu vou continuar... preciso achar um trabalho na Argélia.
Quero ir para a Europa; quero trabalhar por dinheiro. Eu estudei, me formei no ensino médio. Minha mãe é muito velha, meu pai morreu, então tenho muita dificuldade na Libéria. Não me importo se é perigoso; não tenho medo. Só preciso sair da África."
'Voltar é vergonhoso'
Ibrahim Miharata, de 45 anos, é gerente do Direy Ben, que significa que "o caminho para a fortuna chegou ao fim", um albergue para os migrantes que estão com a sorte em baixa.
Ele tem financiamento da Cruz Vermelha do Mali e da Igreja Católica Romana e pode receber até 70 migrantes.
Miharata diz que tem visto muitas pessoas chegando de Gâmbia recentemente.
"Muitos retrocederam após terem tido os planos adiados pela guerra na Líbia", diz o gerente do albergue.
"Quando eles voltam para Gao estão muitas vezes desesperados e, às vezes, mentalmente perturbados."
"Imagine alguém que deixou sua família há um ano. A família vendeu duas cabeças de gado para bancar sua viagem."
"Ele recebeu US$ 800 ou US$ 1.000. E agora tem que voltar para casa sem um centavo. É vergonhoso. É o suficiente para fazer você ficar louco."
Miharata calcula que até 900 migrantes africanos passem por Gao a cada mês e deixem o local em caminhões até a estrada para Kidal e o Saara, com destino a Tamanrasset, na Argélia.
Outros - aqueles que ficam nos ônibus da Sonef - continuam para o leste em direção ao Níger e à Líbia.
"A razão para que Gao seja um ponto de trânsito crucial para o comércio é que ele oferece uma das travessias do deserto mais baratas e curtas - cerca de cinco ou seis dias", diz Miharata.
"Assim, mesmo se você vem da Eritrea, você pode atravessar o deserto a partir daqui. Tudo depende de que conselhos você recebe pelo caminho."
Ele estima que Nigéria, Camarões e Gâmbia são os três principais países cujos jovens homens - principalmente - estão deixando a região desta forma.
"É difícil ser categórico porque migrantes mentem sobre sua origem. Mas a maioria, certamente, fala inglês como língua nativa."
Embora ele tenha um albergue para os migrantes em dificuldades, ele também é dono de um ônibus que vai para Kumasi, em Gana.
"O Diary Ben ajuda a pessoas em dificuldades, mas eu também sou um ex-migrante - eu fui para a Tunísia e a Costa do Marfim, no meu tempo - e eu sou a favor da livre circulação de pessoas '', diz Miharata.
"Se você quiser ganhar a vida em Gao, o negócio da migração é sua única opção."
Como denunciar
Para denunciar o tráfico de pessoas no Brasil, contate o Núcleo de Assistência a Brasileiros, Divisão de Assistência Consular, pelos telefones (61) 3411-8803/ 8805/ 8808/ 8809/ 8817/ 9718/6456, ou ainda pelo e-mail: dac@mre.gov.br.
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Esta é a verdadeira face da grande maioria dos seres humanos: se aproveitar do próximo.
ResponderExcluirIsto é algo que sempre aconteceu na história da humanidade.
O fod@ é de que o ser humano não evolui, porém o mal sim.
Algo que podemos fazer, e que eu faço quando fico sabendo, é não usar produtos que são feitos por mãos de pessoas que foram traficadas (apesar de que a maioria nem chegam a serem traficadas, elas ficam em seus próprios lugares de origem) para serem escravas. Sei de que é uma atitude pequena, porém se cada um tiver esta consciência, ajuda, não acaba, mas o importante é que ajuda. Apesar de que também sei de que daqui algum tempo, não vou me vestir e nem comer, pois a maldade só cresce.
Aqui em SP estão sendo descobertos lugares que fazem roupa que usam bolivianos como escravos. Apesar de que ultimamente a maioria está sendo bolivianos, mas já houve pessoas de outras nacionalidades. Quem não quer comprar roupas baratas. E mesmo quem quiser comprar roupas caras, há uma famosa marca que usa o nome de uma deusa alada grega que não tem uma fábrica. Seus cobiçados produtos são feitos, na grande maioria, por crianças escravas na África e Ásia.
Este ano saiu uma reportagem muito interessante sobre a “Marinalva Dantas”. Pesquisem. Podemos considerá-la uma grande heroína aqui no Brasil.
“Adm”, vc está corretíssimo em dizer que “...essa é apenas um pequeno fragmento do assunto.”.
Pois é Elson...enquanto eu pesquisava sobre o assunto vi muitos casos...muitos relatos de pessoas que foram vítimas do tráfico. Não deu para incluir tudo pois a postagem ficaria ainda mais imensa. Talvez um dia role uma série a respeito do assunto.
ExcluirSe eu encontrei tanto material sobre isso na internet...imagina quantos são os casos que não chegam a ser noticiados?
Meu amigo, se vc resolver fazer uma série, se prepara, pois será com toda certeza uma série muuuiiito longa, pois a maldade é muuuiiiito grande. E as ramificações que se formam em volta deste assunto 'tráfico', te levará a outros assuntos tão maldosos quanto.
ExcluirCreio que este é um mal sem solução. Com toda a pobreza de informação que assola a sociedade carente, é muito fácil enganar essas vítimas.
ResponderExcluirMuito bem bolado este post.
PS: Pequeno erro gramatical. ctrl +f acista