Hoje o blog Noite Sinistra volta a trazer uma postagem que fala de um caso de sequestro que assustou o mundo. Em parceria com o amigo Elson Antonio Gomes, que foi a pessoa que sugeriu esse assunto, hoje retrataremos aqui a tormenta vivida pela jovem Natascha Kampusch, uma austríaca que passou 8 anos vivendo sob o domínio de seu sequestrador. Natascha sofreu abusos físicos e psicológicos, ao longo desses anos que passou isolada do mundo em seu cativeiro, que hoje dificultam sua reintegração à sociedade.
No filme do diretor alemão Werner Herzog O enigma de Kaspar Hauser, um homem que passou a vida inteira acorrentado em um porão, sobrevivendo graças à comida que recebia de um homem misterioso, é um dia libertado e obrigado a se adaptar às regras da sociedade. Apesar de se mostrar bastante inteligente,ele fracassa ao tentar se relacionar com pessoas. Quatro anos depois de escapar de um cativeiro que a privou de toda a adolescência, a jovem austríaca Natascha Kampusch, 27 anos, faz lembrar, de maneira tocante, a história de Kaspar Hauser. Sequestrada aos 10 anos no caminho para a escola pelo engenheiro Wolfgang Priklopil, Natasha foi submetida a todo tipo de violência física e psicológica até reunir forças para escapar de sua prisão, aos 18 anos. Sua história imediatamente ganhou o mundo - e Natascha se viu cercada de cuidados e atenção. "Mas viver entre as pessoas foi e continua sendo o meu grande desafio", disse ela.
Natascha Maria Kampusch nasceu em Viena no dia 17 de fevereiro de 1988. Aprisionada numa cela no porão da casa de seu captor, Wolfgang Priklopil, desde 2 de março de 1998, quando ela estava a caminho da escola, escapou em 23 de agosto de 2006, com então 18 anos. O caso foi descrito como um dos mais dramáticos da história criminal da Áustria.
Cativa e isolada do mundo, da infância ao fim da adolescência, foi submetida a todo tipo de humilhação psicológica e sexual, tortura física com surras constantes e privação de comida e luz. Sua fuga causou o suicídio de seu sequestrador, uma comoção nacional e uma crise no governo e nos serviços de segurança do país, com relação às falhas descobertas e ao acobertamento de erros na investigação policial, durante os anos em que esteve desaparecida, e que poderiam ter levado à sua libertação mais cedo.
A história de Natascha chocou o mundo, transformou-a numa celebridade nacional e internacional e resultou numa autobiografia, 3096 dias (3096 Tage), em documentários, num filme baseado em seu livro e num posterior talk show na televisão.
Infância de Natascha
Filha de Ludwig Koch e Brigitta Sirny (nascida Kampusch), na infância ela não tinha boa relação com a mãe. Natascha a descrevia como alguém de natureza enérgica e decidida, pouco afeita a demonstrar emoções, alguém que não tolerava fraquezas e não a suportava nos outros e detestava vulgaridade. Já seu pai era alegre, carinhoso e brincalhão com a filha, mas pouco aplicado ao trabalho – era dono de uma padaria – e bebia muito com os amigos à noite. Ludwig Adamovich, chefe da comissão especial que se seguiu à libertação para examinar possíveis falhas na investigação policial, afirmou que "o tempo em que Kampusch esteve aprisionada talvez tenha sido melhor que o que ela viveu antes", declaração vigorosamente refutada pela mãe de Natascha que ameaçou processar Adamovich por suas declarações.
Aos 10 anos Natascha era uma menina frustrada e solitária. Em casa, como maneira de combater o tédio e a solidão que considerava ser sua vida, assistia a todos os canais e programas de televisão possíveis, já que a família não se importava com o que assistia. Foi através da televisão a cabo que acompanhou várias reportagens e documentários sobre crianças desaparecidas ou raptadas e assassinadas naquela região da Áustria e na Europa da época, o que a impressionava muito.
Sirny e Koch se separaram quando Natascha ainda tinha cinco anos e se divorciaram após seu desaparecimento. A menina passava temporadas com os dois e havia voltado para a casa da mãe após uma viagem de alguns dias com o pai na Hungria quando foi sequestrada. O sequestro da filha causou traumas profundos nos pais, que a procuraram por anos. A mãe chegou a ser acusada de cúmplice no sequestro de Natascha enquanto ela estava desaparecida e o pai, que já tinha problemas com o álcool, perdeu de vez o controle da vida.
O sequestro de Natascha
Natascha Kampusch saiu de casa, no conjunto habitacional de Rennbahnweg, para a escola onde cursava a quarta série, no distrito de Donaustadt, em Viena, na manhã de 2 de março de 1998, mas não chegou à escola nem voltou para casa. Aborrecida e frustrada depois de uma discussão com a mãe, havia saído de casa sem dar um beijo de despedida na sua mãe, algo que ela sempre fazia quando ia para a escola. Natascha estava portanto sua mochila e seu casaco vermelho. Caminhou por um dos becos rodeados de casas com jardins que ligava o conjunto habitacional à rua Melangasse, caminho da escola. Ao caminhar pela rua Rennbahnweg, notou à sua frente uma camionete branca parada e um homem moreno de olhos azuis do lado de fora que olhava ao redor sem interesse. Preocupada, hesitou entre atravessar a rua ou continuar em seu caminho. Resolveu continuar e, ao passar por ele, foi agarrada rapidamente e jogada dentro da camionete que estava com a porta aberta.
Nos primeiros dias após se desaparecimento, buscas foram feitas com o uso de cães e helicópteros, cartazes foram afixados em todas as escolas de Viena e arredores. Uma testemunha de 12 anos afirmou ter visto a menina ser agarrada por dois homens e jogada dentro de uma van branca (depois Natascha diria ter sido apenas um sequestrador). Quando esta pista foi finalmente investigada, uma grande busca policial se deu nas semanas seguintes, com 776 vans sendo revistadas em toda a área metropolitana de Viena e cidades vizinhas. Entre as vans revistadas, estava a do sequestrador, Priklopil, que vivia a cerca de meia hora de carro do centro de capital, em Strasshof an der Nordbahn, mas não causou nenhuma suspeita. Investigado numa batida policial, ele disse à polícia que tinha passado toda a manhã do sequestro em casa e que usava a van para transportar material para sua casa, que estava reformando.
Especulações sobre o envolvimento de quadrilhas de pornografia infantil ou de tráfico de órgãos humanos começaram a aparecer na imprensa, levando a polícia a fazer investigações buscando ligações com possíveis crimes do pedófilo e assassino francês Michel Fourniret, quando este foi descoberto alguns anos depois, ainda durante o período em que Natascha esteve em cativeiro. Como Natascha estava com seu passaporte quando foi raptada, por causa da viagem à Hungria com o pai, as buscas foram também levadas ao exterior. Acusações contra sua família complicaram mais as investigações, com insinuações de que a mãe dela estava de alguma maneira envolvida no crime ou em seu acobertamento.
O cativeiro
Durante os oito anos em que esteve sequestrada, Natascha foi mantida numa pequena cela de 5 m² na garagem da casa de Priklopil, cuja entrada ficava escondida atrás de um armário. Sem janelas e à prova de som, a cela tinha uma porta feita de concreto reforçada com aço. O pequeno local tinha uma pia, vaso sanitário e uma cama tipo beliche onde ela dormia na parte de cima e usava a escada para pendurar roupas. O espaço tinha 2,70 m de comprimento, 1,60 m de largura e 2,40 m de altura. O ar na cela vinha de um ventilador instalado no alto, que passava por um tubo no teto vindo da garagem. O ruído deste ventilador, nunca desligado, iria quase enlouquecê-la pela repetição constante nos primeiros meses.
Em sua primeira noite de cativeiro, Natascha, que ao ser jogada na van tentava gritar, mas não conseguia produzir nenhum som, perguntou ao raptor qual o tamanho dos sapatos dele – vendo os documentários na tv, havia aprendido que o refém deve sempre tentar conseguir todas as informações de seu sequestrador para posterior identificação – pediu a Priklopil que antes de apagar a luz de sua cela lhe colocasse na cama – no início, um fino colchão no chão – contasse uma historinha – ele leu A Princesa e a Ervilha Parte 2, de um livreto de contos infantis tirado da mochila escolar – e lhe desse um beijo de boa noite, tudo feito pelo sequestrador com boa vontade.
Nos primeiros seis meses de cativeiro, ela não teve permissão de sair da cela em nenhum momento, não pode tomar banho a não ser na pequena pia da cela, não podia olhar nem falar com Priklopil sem autorização e por vários anos não pode deixar o pequeno espaço à noite. No primeiro ano, era obrigada a chamar seu captor de "Mestre", o que sempre se recusava a fazer, mostrando rebeldia, que lhe custaria surras. Com um ano e meio de cativeiro, ele decidiu que Natascha não podia mais usar seu nome e agora pertencia a ele; assim ela foi obrigada a escolher outro nome, e passou a chamar-se "Bibiane", sua identidade pelos sete anos seguintes.
Em dezembro de 1999, com 21 meses de cativeiro, ela pode respirar ar puro pela primeira vez, quando Priklopil lhe permitiu passar alguns minutos no jardim da casa com ele, à noite. Pouco tempo depois, ele lhe disse seu verdadeiro nome e com isso Natascha teve a certeza de que seu raptor nunca a deixaria sair dali viva.
Submetida a anos de abuso físico e mental após entrar na puberdade. Desde os 14 anos Natascha muitas vezes teve que dormir algemada a Wolfgang na cama dele. Ela era obrigada a raspar a cabeça para que fios não ficassem pela casa, o que poderia denunciar o raptor caso ele fosse “visitado”, passou períodos de fome, chegou a apanhar mais de 200 vezes numa semana até ouvir sua própria espinha estalar, era obrigada a lavar, cozinhar, arrumar e limpar a casa quase nua, geralmente apenas de calcinha e boné. Quando seu raptor resolveu fazer uma reforma na casa, que durou anos, Natascha foi seu único operário. Chegou a carregar sacos de cimento pesados demais para sua idade, instalar piso, montar janelas e quebrar concreto, sempre sob as ordens dele e vigiada de perto.
Qualquer erro, principalmente com a preparação da comida, era motivo para gritos ou tapas. No fim do dia, quase sempre voltava a ser trancada em sua masmorra. Por causa dos castigos e da situação desesperadora em que sua vida se encontrava, Natascha tentou três vezes o suicídio, uma delas em 2004, incendiando papéis sobre uma chapa elétrica para esquentar comida que tinha na cela, de maneira a morrer por envenenamento provocado pela fumaça, após ouvir seu nome num programa de rádio que debatia um novo livro sobre pessoas que haviam desaparecido sem deixar vestígios. Na sua primeira tentativa de suicídio, Natascha tentou se enforcar usando peças de roupas, isso aos 14 anos de idade. Aos 15 anos ela tentou cortar os pulsos, porém ela não conseguiu levar a diante nenhuma dessas tentativas.
Com dezesseis anos, em vários períodos Priklopil reduziu sua ração diária a ¼ do necessário a alguém da idade dela. Nesta idade chegou a pesar apenas 38 kg com 1,57 m. Depois de libertada, soube que seu índice de massa corporal (IMC) nessa época era de 14,8. A Organização Mundial de Saúde considera índices inferiores a 15 como forte subnutrição. Achava-se uma visão triste no espelho: careca, com as costelas aparentes, maçãs do rosto fundas e os finos braços e pernas cobertos por hematomas. Em uma oportunidade, quando ela demorou a cumprir uma de suas ordens, ele lhe atirou um canivete, que perfurou seu joelho.
A casa possuía um interfone entre os cômodos comuns e a cela de Kampusch, para que o sequestrador pudesse falar com ela sem descer até lá. Durante o período em que Natascha esteve cativa na casa de seu raptor, ele foi várias vezes visitado por sua mãe, Waltraud, que chegou a cozinhar e arrumar a casa para o filho. Ela, porém, declarou depois que nunca notou a presença de mais alguém na casa, apesar de, por vezes, notar um certo "toque feminino" em sua arrumação, mas sem nunca atinar de onde aquilo poderia ter vindo.
Depois dos primeiros anos, Natascha passou a poder passar grande parte do dia na parte de cima da casa, mas era levada de volta à câmara para dormir ou quando o sequestrador saía para trabalhar. Durante seu tempo ali, teve acesso à televisão e rádio, controlados por seu raptor. Nos últimos anos de cativeiro, ela chegou a ser vista no jardim e até no carro de Priklopil e um dos colegas de negócios de Priklopil disse ter visto a jovem com ele quando o sequestrador esteve em sua casa para pedir um trailer emprestado.
Depois de alguns anos de cativeiro, em que o mais longe que chegava de sua cela era o jardim da casa, Priklopil a levou ao mundo exterior. O estado psicológico de Natascha e o domínio mental dele sobre ela, além de sua constante presença física sempre a centímetros de distância, impediram, entretanto, qualquer possibilidade de fuga. Estiveram uma vez numa loja de material de construção e num passeio de carro até Viena foram parados numa batida policial na estrada. O policial chegou a pedir os documentos de Priklopil e do carro e olhar para Natascha no banco de passageiros. Em pânico com as ameaças de morte, a que ela era submetida antes de saírem de casa, para que ela se comportasse quando alguém se aproximasse, fizeram com que ela se mantivesse paralisada e o veículo foi liberado.
Pouco antes de fazer 18 anos, Priklopil a levou a uma estação de esqui nas montanhas perto de Viena para esquiarem por algumas horas. Depois de libertada, ela inicialmente negou esta viagem, mas acabou admitindo ser verdade, dizendo que não teve nenhuma chance de escapar. Esta viagem foi planejada meticulosamente por Priklopil, que a seu jeito psicótico tentava estabelecer uma "vida normal" com Natascha como homem e mulher. Foi a primeira vez em sete anos que ela esteve em campo aberto. O tempo todo esteve com o sequestrador próximo a ela, lembrando-lhe que a mataria e a qualquer um caso ela chamasse alguma atenção. No único momento sozinha que teve nesta viagem, foi para que ela pudesse ir ao banheiro feminino, com Priklopil do lado de fora da porta esperando. O banheiro estava vazio, mas enquanto ela lá estava entrou uma mulher. Enchendo-se da coragem provocada pelo desespero, dirigiu-se à mulher dizendo várias vezes se chamar Natascha Kampusch e que havia sido sequestrada, pedindo ajuda. A mulher loira lhe sorriu com simpatia, virou as costas e foi embora. A reação foi um grande golpe psicológico para Natascha, que teve então a certeza de que havia sido esquecida pelo mundo exterior e transformada num fantasma. Só depois de sua fuga descobriu-se que a mulher a quem tinha se dirigido era uma turista holandesa que não tinha entendido nada do que ela tinha falado.
Mesmo assim, Natascha muitas vezes tentou discretamente atrair a atenção, já que por anos suas fotos cobriram toda a Áustria: "Eu tentava fazer algum sinal às pessoas... Eu tentava sorrir como eu sorria nas fotos (as fotos dela foram transmitidas pela televisão e coladas nos postes e árvores de Viena e seus arredores) para que as pessoas pudessem se lembrar de mim". Mas ela nunca foi notada.
De acordo com seu depoimento oficial após a fuga, ela e Priklopil acordavam cedo para o café da manhã juntos. Ele lhe deu livros, de modo que ela pudesse se tornar autodidata e, de acordo com um amigo do criminoso que a havia visto uma vez, parecia feliz. Anos depois, explicando o sentimento de que não havia perdido nada durante seu confinamento, ela declarou: "eu me poupei de muitas coisas, como cigarros, bebidas e más companhias". Mas acrescentou: "eu sempre pensava: eu não vim ao mundo para viver trancada e ter minha vida completamente arruinada. Entreguei-me ao desespero com essa injustiça. Sempre me senti como uma pobre galinha num galinheiro. Vocês viram minha cela na televisão e na mídia e hoje sabem como era pequena. Era um lugar de desespero." Dietmar Ecker, o assessor de imprensa de Kampusch, declarou depois que ela lhe havia dito que às vezes Priklopil lhe batia tanto que ela mal conseguia andar. Quando ela ficava roxa de tanto apanhar, ele tentava reanimá-la, pegava uma câmera e a fotografava.
Priklopil havia amedrontado Kampusch dizendo que as portas e janelas da casa tinham armadilhas cheias de explosivos e que ele dormia com granadas sob o travesseiro. Também a ameaçava dizendo que sempre carregava uma arma e a mataria e aos vizinhos se ela tentasse fugir. Uma ocasião, ela fantasiou a ideia de cortar a cabeça de seu raptor com um machado, mas desistiu da ideia. Durante todo o tempo em que esteve presa, prometia a si própria que "iria crescer, ficar mais forte e resistente e um dia seria capaz de ser livre de novo".
A fuga de Natascha
Em 23 de agosto de 2006, Natascha estava no jardim lavando e passando o aspirador de pó no BMW 850i de Priklopil, sempre vigiada de perto, quando, às 12:53, ele recebeu um telefonema no celular. Por causa do barulho do aspirador, ele se afastou para outra área da casa para poder atender ao chamado. Deixando o aspirador ligado, ela saiu correndo pelo jardim sem ser vista por ele, que, de acordo com o que o interlocutor informou mais tarde aos investigadores, se comportou por toda a conversa sem parecer distraído ou perturbado. O portão do jardim estava, pela primeira vez, semiaberto. Natascha saiu por ele sem ser percebida e correu por cerca de 200 m entre os jardins das casas vizinhas e pela rua, tentando encontrar alguém. Na rua adjacente viu três pessoas andando em sua direção, um idoso, um adulto e um menino, provavelmente três homens de uma mesma família e pediu ajuda, um celular para chamar a polícia. Os homens desviaram dela seguindo seu caminho dizendo não ter celular. Pulou então a cerca de um dos jardins das casas em volta, mas não encontrou ninguém. Continuou a correr cruzando cercas vivas e canteiros das casas, até ver uma senhora através da janela aberta de uma das casas da rua Heine e pediu ajuda gritando "Eu sou Natascha Kampusch!" e dizendo que havia sido sequestrada - todo o tempo apavorada de que Priklopil estivesse atrás dela. Foi mandada ficar na cerca viva e não pisar no gramado pela dona, Inge T, de 71 anos, enquanto ela telefonava para a polícia.
Dois jovens policiais atenderam ao chamado e, para surpresa de Natascha, a mandaram ficar parada com as mãos para o alto. Perguntas rápidas foram feitas e ela foi levada pelos policiais à delegacia de Deutsch-Wagram. O sequestro havia terminado, depois de 3.096 dias de cativeiro.
Sabine Freudenberger, a primeira policial a ter contato com Natascha após a libertação, declarou que ficou impressionada pela inteligência e articulação da jovem. No cativeiro, após os dois primeiros anos, Priklopil lhe havia dado livros, ensinado matemática, permitido acesso à televisão, jornais e rádio, e ela ouvia sempre a Ö1 International, a estação oficial internacional da Áustria, dedicada à educação e música clássica, também com transmissão em espanhol e inglês.
Na delegacia, policiais que haviam trabalhado em seu caso se juntaram a seu redor. Natascha se sentiu sufocada e em pânico por estar cercada por tantas pessoas que lhe faziam várias perguntas ao mesmo tempo, depois de anos sem quase qualquer contato humano além de seu raptor. Não entendia porque não a colocavam num local tranquilo e em isolamento até que ela se tranquilizasse, para fazerem um interrogatório com mais calma no dia seguinte. Foi identificada pela cicatriz que possuía, pelo passaporte achado após as buscas na casa de Priklopil e por exames de DNA.
Pouco tempo depois de sua chegada a Deutsch-Wagram e às primeiras notícias veiculadas em plantões especiais das televisões e estações de rádios, a imprensa já tinha cercado completamente o local. Sua saída dali para ser transferida para a delegacia de Viena foi feita com a proteção de um grande cobertor azul que a cobria completamente, numa imagem que correu o mundo. Seus pais foram avisados, e a encontraram em Viena em estado de choque e euforia. O encontro foi em meio a choros e gritos de seus parentes. Desacostumada ao contato físico, os abraços de sua família – suas irmãs mais velhas também foram à delegacia – a fizeram ficar tonta e quase desmaiar. A seu pai, Ludwig Koch, que a abraçava em prantos e fez questão de procurar em Natascha a cicatriz que ela possuía desde a infância, disse: "Te amo", como dizia sempre que o pai se despedia após deixá-la na casa da mãe, quando passavam o fim de semana juntos, oito anos antes. Não teve porém permissão para voltar para casa, ficando à disposição da polícia e aos cuidados de seus psicólogos, sendo transladada da delegacia para um hotel em Burgenland, num andar guardado por homens armados e totalmente interditado pela polícia, que até ali não tinha notícias de Wolfgang Priklopil e temia uma vingança. Só voltaria ao convívio com a família semanas depois.
Com a fuga de Natascha, Wolfgang Priklopil fugiu da casa e vagueou o dia todo por Viena. Encontrou-se com um amigo e ex-sócio Ernst Holzapfel num shopping center, onde lhe confessou os motivos de seus atos e teve sua imagem capturada por câmeras de segurança do estabelecimento quando se encontrava num balcão de informações. No fim do dia, sabendo que toda a polícia do país o caçava, suicidou-se jogando-se na frente de um trem em movimento perto da estação Wien Praterstern, no norte da cidade. Ele havia dito a Kampusch que "nunca o pegariam vivo".
O sequestrador
Wolfgang Priklopil era um técnico de telecomunicações austríaco e foi o responsável pelo sequestro e cativeiro por oito anos de Natascha Kampusch. Filho único de Karl e Waltraud Priklopil, seu pai era vendedor de uma empresa de bebidas e sua mãe, que o mimava desde criança, vendedora de sapatos. Durante algum tempo, exercendo sua profissão, Wolfgang trabalhou na Siemens. Depois que deixou este emprego trabalhou como autônomo, fazendo reformas em casas e apartamentos.
A casa em que vivia e onde aprisionou Natascha Kampusch, na Heine Strasse 60, Strasshof an der Nordbahn, pequena cidade nos subúrbios de Viena, pertencia anteriormente a seu avô, Oskar Priklopil, que a comprou após a II Guerra Mundial. No período da Guerra Fria, Oskar e seu filho Karl construíram nela um abrigo contra bombas, que se tornaria a origem da masmorra de Kampusch. Wolfgang passou a morar na casa em 1984, após a morte de sua avó.
Maníaco por limpeza a organização, Priklopil tinha em sua biblioteca particular o livro Mein Kampf de Adolf Hitler como um de seus livros preferidos. Sempre falava a Natascha sobre Hitler dizendo que "ele estava certo ao mandar os judeus para a câmara de gás". Seu ídolo político era Jörg Haider, o líder do Partido da Liberdade da Áustria, de extrema-direita. Em 11 de setembro de 2001, ficou satisfeito com o ataque terrorista ao World Trade Center, dizendo tratar-se de um "ataque à conspiração para a dominação mundial judaica".
Depois de aprisionada em 2 de março de 1998, aos 10 anos, Natascha Kampusch conseguiu fugir da casa em 23 de agosto de 2006, já com dezoito anos. Sabendo-se caçado pela polícia, horas depois da fuga da adolescente Wolfgang teve um último encontro num shopping center com um amigo, Ernst Holzapfel, um ex parceiro de negócios, a quem confessou ser um sequestrador. Segundo as palavras de Holzapfel, "ele queria ter uma companheira, mas era muito desajeitado e tímido para tal. Achou então em sua mente pervertida que, tal qual o personagem central do livro e filme O Colecionador, de John Fowles, poderia capturar uma menina e mantê-la presa para que ela crescesse e aprendesse a amá-lo". Em seu depoimento, Holzapfel também declarou que em época antes do sequestro, Priklopil lhe havia perguntado como isolar acusticamente um cômodo, de maneira que nem uma furadeira fosse ouvida em outros lugares de uma casa.
Alvo da caçada policial que se seguiu, com as imagens da casa invadida e da cela descoberta por policiais e peritos em todos os canais de televisão austríacos, depois do encontro com Holzapfel, Priklopil dirigiu-se a uma estação de trem ao norte de Viena e suicidou-se jogando-se nos trilhos à frente da composição em movimento.
Ele foi enterrado em 8 de setembro sob o nome de "Karl Wendelberger" no túmulo da família Piplitz em Laxenburg, ao sul da capital austríaca.
A vida depois do cárcere
Natascha Kampusch passou os primeiros dias de liberdade na ala psiquiátrica para crianças e adolescentes do Hospital Geral de Viena, aos cuidados de médicos e enfermeiras, sem contato com a família e sem permissão de sair, dividindo a área comum com jovens meninas anoréxicas e crianças que se auto infligiam ferimentos, longe do mundo exterior do qual havia sido privada por oito anos, enquanto a imprensa do mundo inteiro enlouquecia sem notícias do lado de fora. Imagens de seus cativeiro e mesmo das coisas pessoais que tinha escondido de seu captor, como roupas e um diário, apareciam constantemente na televisão, revistas e jornais. A princípio, seus pais não tiveram permissão de médicos e autoridades para estar com ela pessoalmente, depois do primeiro encontro para identificação.
Em setembro de 2006, quinze dias depois da libertação, de maneira a encerrar os rumores e especulações, e apesar de ser aconselhada a sumir e adotar outra identidade para se poupar da curiosidade alheia, Natascha concordou em dar uma entrevista à televisão austríaca. A entrevista, dada à rede pública austríaca ORF, foi vendida a mais de 120 países, a 290 euros por minuto, com os lucros sendo revertidos a ela própria. O total da venda destes direitos de reprodução, de algumas centenas de milhares de euros, seria doado a mulheres no México e na África. A princípio, combinado por seus tutores estatais que sua imagem não apareceria para poupá-la, Kampusch apareceu de rosto inteiro na tela, com a cabeça coberta por um lenço. Depois de algumas semanas, ela se mudou para uma residência de enfermeiras perto do hospital e depois para um seu próprio apartamento. Ela não quis voltar a morar com a mãe, porque, como declarou, "Eu tinha planos de ser autossuficiente quando fizesse 18 anos e isso tinha me sustentado todos aqueles anos. Agora eu queria que isso se tornasse realidade, andando por meus próprios pés e tomando conta da minha própria vida."
Especialistas forenses levantaram a hipótese de que Kampusch havia desenvolvido um tipo de Síndrome de Estocolmo por Wolfgang Priklopil. Ela referiu-se a ele uma vez como alguém gentil, e quando soube de seu suicídio, chorou bastante. No documentário Natascha Kampusch: 3096 days in captivity, ela tem palavras simpáticas sobre seu antigo carrasco, e aparece dizendo que tem "mais e mais pena dele, um pobre alma", mesmo depois de ser encarcerada por oito anos pelo algoz. Mas ela o trata, porém, como um "criminoso" e doente mental. Entretanto, ela sempre negou essa hipótese, considerando isso um simplismo de quem não viveu sua experiência. Em seu livro, Natascha afirma que a relação entre os dois era complexa demais para provocar-lhe tão somente ódio do sequestrador. A mão que lhe batia era a mão que a alimentava. A mão que lhe humilhava e lhe privava da liberdade era a mão que lhe dava livros para estudar e que lhe permitiu viver, tendo poder absoluto de vida ou morte sobre ela. A intolerância de parte da imprensa e da opinião pública veio do fato de ela se negar a julgar Priklopil do modo que as pessoas desejavam, como um simples "monstro" e nada mais. Foi necessário tempo, distância dos fatos, amadurecimento e contato com a vida normal, para que o sentimento sobre seu carrasco se tornasse mais repulsivo e odioso do que era na época de sua fuga:
"Ninguém queria ouvir que não há um mau absoluto nem preto e branco. Ninguém nasce mau, somos todos um produto do contato com o mundo e com as outras pessoas e é isso que nos faz ser o que somos, ninguém nasce um monstro. Ele me roubou minha infância e minha adolescência e foi por anos o meu tormento mas era a única pessoa na minha vida, minha única referência de mundo. Ter ficado de certa maneira triste com sua morte, apesar de ela ser minha libertação, não era compreendido por ninguém. Era mais fácil me rotularem."
— Natascha Kampusch em 3096 dias.
Em 2007, sua mãe, Brigitte Sirny-Kampusch, escreveu o livro Verzweifelte Jahre (Desperate Years - My Life Without Natascha, na versão em inglês), que se tornou um best-seller. Nele, Brigitte comenta que Natascha guardava uma imagem do caixão de Priklopil em sua carteira. Natascha indignou-se com o fato de a mãe publicar o que ela acreditava ser um segredo entre as duas, explicando "Eu admito, eu disse adeus a ele, porque não? Era importante, eu cresci com ele. A última vez que o vi vivo foi quando ele voltou as costas para mim e eu fugi dele. Eu disse adeus a seu caixão. Mas nunca quis que isso fosse publicado. Ela me traiu".
Ainda se adaptando à vida em liberdade e transformada numa celebridade nacional, em junho de 2008 Kampusch iniciou carreira como entrevistadora na tevê austríaca, com o programa Natascha Kampuch Trifft... (Natascha Kampusch encontra ...), do canal fechado Puls4. O primeiro convidado do programa mensal foi o campeão mundial de Fórmula 1 Niki Lauda, segundo ela, por ter uma vida levada ao extremo como a dela. O programa, entretanto, durou apenas três edições.
Neste mesmo ano, dois anos após sua fuga, ela comprou a casa onde ficou sequestrada por anos, após uma audiência pública para a venda do espólio de Wolfgang Priklopil: "Eu sei que é grotesco. Eu tenho que pagar por eletricidade, água e as taxas de uma casa em que eu nunca quis morar". Natascha comprou a casa para impedir que fosse demolida, livrá-la de vândalos e impedir que virasse um santuário para fãs psicóticos. Natascha visitou o imóvel por duas vezes depois de sua libertação.
Em entrevista em janeiro de 2010, ela disse que havia ficado com a casa, pois "a considera uma parte importante de seus anos de formação". Caso a venda algum dia, ela irá antes entupir o porão, de maneira que ele não se transforme num museu macabro de sua adolescência perdida.
Em 2009, ela tornou-se o rosto da organização pró-direitos dos animais PETA na Áustria. Em junho, escreveu uma carta à ministra da Agricultura da Alemanha, Ilse Aigner, onde a campanha é baseada, exigindo a libertação de animais dos zoológicos do país, afirmando: "Os animais deveriam, como eu pude, fugir como eu fiz, porque a vida em cativeiro é uma vida cheia de privações. Cabe a você decidir se criaturas sociáveis, inteligentes e maravilhosas devem ser libertadas de suas correntes e jaulas onde pessoas cruéis as mantêm."
No mesmo ano, Natascha Kampusch deixou a televisão e perdeu a solidariedade da opinião pública austríaca, que passou a criticá-la por ter, presumidamente, enriquecido graças à história do seu sequestro. Ela afirmou que sua vida "mudou radicalmente" no dia em que escapou, mas que ainda não se sentia "realmente livre". Num desabafo, declarou que as expectativas do público em relação a vítimas de crimes são "surpreendentes". Segundo ela, se as vítimas tentam se esconder, recebem críticas porque o público teria o direito de saber o que aconteceu. Mas, se cedem às pressões e contam suas histórias, são acusadas de buscarem os holofotes e são consequentemente vistas como figuras públicas com pouco direito a privacidade.
"Resisti a todo o lixo psicológico e às fantasias de Wolfgang Přiklopil e não me permiti ser dominada. Agora eu estava do lado de fora, e era isso que as pessoas queriam ver: uma pessoa enfraquecida, que nunca se recuperaria e sempre dependeria da ajuda dos outros. Mas, no momento em que me recusei a carregar a marca de Caim pelo resto da vida, o humor da opinião pública mudou."
— Natascha Kampusch em 3096 dias.
Sobre o único fato ocorrido durante seu cativeiro que nunca foi trazido a público durante as investigações, ela declarou em seu depoimento oficial: "Eu não quero e não responderei a nenhuma pergunta sobre detalhes íntimos e pessoais que ocorreram comigo". Mesmo em sua autobiografia, publicada em 2010, ela não fala sobre o caso. Somente em 2013, numa entrevista dada ao jornalista Günter Jauch da televisão alemã por ocasião de seu 25º aniversário, dias antes do lançamento mundial do filme baseado em seu livro 3096 dias, Natascha assumiu ter sido estuprada durante o cativeiro. O filme traz cenas de estupro, que não constam do livro e foram anexadas com o consentimento de Kampusch, depois que documentos policiais com evidências dos estupros múltiplos cometidos por Priklopil foram colocados em domínio público.
Em 2010 ela obteve o certificado de conclusão do ensino médio. Em 2011, usando parte do dinheiro ganho com a venda do livro, umbest seller internacional, construiu e equipou um hospital infantil no Sri Lanka, Natascha Kampusch’s Children’s Ward, estando presente à sua inauguração. No mesmo ano, ela entrou com um pedido de indenização de €1 milhão de euros contra o Estado austríaco (€323 por dia de cativeiro) pela incompetência dos serviços de segurança do país em resgatá-la após seu sequestro.
Hoje, Natascha Kampusch vive em semi reclusão voluntária no apartamento que comprou no centro de Viena. Raramente sai à rua, para evitar ser reconhecida e, eventualmente, até ser insultada, por pessoas que a consideram responsável pela morte de Priklopil e ter enriquecido às custas do sequestro. As ilações que vez por outra aparecem na imprensa de que ela possivelmente teria sido cúmplice e refém voluntária de Priklopil durante seus anos de cativeiro a traumatizaram e já a fizeram pensar em suicídio ou em se mudar de Viena e da Áustria. Ela passa o tempo estudando, pintando e tirando fotografias. Seu projeto pessoal, é passar "tão desapercebida quanto possível".
O sequestro de Natascha Kampusch na cultura popular
Livros, documentários de cinema e televisão e filmes baseados em livros foram lançados sobre o sequestro de Natascha Kampusch. Logo em novembro de 2006, três meses após sua libertação, os britânicos Allan Hall e Michael Leidig publicaram Girl in the Cellar: The Natascha Kampusch Story, escrito em inglês, e considerado pelo advogado de Kampusch como prematuro e especulativo. Em setembro de 2010, Kampusch lançou seu próprio livro, 3096 Tage (3,096 Dias), em que conta sua história em detalhes com suas próprias palavras.
Neste mesmo ano, o canal britânico Channel 5 levou ao ar um documentário de uma hora de duração, Natascha: the Girl in the Cellar, que reconstituía todo o caso e incluía uma extensa entrevista com Kampusch. Em fevereiro de 2013, estreou nos cinemas o filme 3096, baseado em seu livro autobiográfico, filmado em Munique, na Alemanha, em parte pela comoção e controvérsia que o caso ainda causa na Áustria.
Seus pais escreveram livros sobre o sequestro. Verzweifelte Jahre – Mein Leben ohne Natascha. (Desperate Years - My Life Without Natascha, na edição em inglês), de Brigitta Sirny-Kampusch, foi lançado em 2007 com o depoimento da mãe de Natascha sobre os anos que passou longe da filha. Em 2013, seu pai, Ludwig Koch, junto com o britânico Alan Hall, escreveu o best seller Missing, baseado em 57 mil arquivos policiais sobre o caso, em que levanta a hipótese de que Ernst Holzapfel tenha sido cúmplice de Wolfgang Priklopil no sequestro e cativeiro de Kampusch.
Agradecimentos ao amigo Elson Antonio Gomes pela dica.
Fontes: Wikipédia e Veja
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aterradora essa história, mas o impressionante é a polícia ter corrido atrás do próprio rabo e nunca ter suspeitado do sequestrador. lá eles tb erram...
ResponderExcluirÓtima matéria e o filme sobre este triste acontecimento está disponível no youtube e excelente porém triste.
ResponderExcluirhttps://m.youtube.com/watch?v=8lkIanF9gKg
Que história terrível desta moça, uma sobrevivente de um maníaco doentio! Que absurdo tal situação e a policia comendo mosca!
ResponderExcluirMuito triste essa história, principalmente por conta dos erros grotescos nas investigações da polícia, se tivessem levado mais a sério, teriam poupado essa menina de tanto sofrimento...o que eu acho mais estranho nisso tudo é que ela comprou a casa onde ficou em cativeiro e não quer vendê-la nem demoli-la e guarda uma foto do sequestrador; no enterro dele, ela foi se despedir...meio contraditório, não??? Porque uma pessoa que ficou mais de 8 anos em poder de um criminoso sendo espancada e estuprada todos os dias ficaria tão traumatizada a ponto de não querer guardar nenhuma lembrança do sequestro...mas acho que ela tem sindrome de estocolmo, acabou se apaixonando pelo seu algoz, por que se fosse eu iria querer me livrar de qualquer coisa que me lembrasse de um crime tão grave...
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